Algumas pessoas me questionam quase diariamente sobre a necessidade de colocarmos limites na criança. O argumento é que se a gente não colocar limites estaremos criando seres humanos dominadores e descontrolados.
Eu preciso falar sobre 2 coisas importantes quando se trata de colocar LIMITES e no final do e-mail vou te dar algumas opções para trabalhar os limites necessários nas nossas crianças.
Consideração #1: dar voz à criança
Precisamos parar de acreditar que dar voz à criança, que entendê-la em suas necessidades, que respeitá-las em seus desejos, que darmos espaço para suas escolhas, é, necessariamente, deixá-las sem limites, é educá-las na permissividade, na falta total de direção.
Não é isso…Educar uma criança com Respeito a partir da Disciplina Positiva, da Criação com Apego, da Comunicação não Violenta, que é o que eu tenho ensinado aqui, é Respeitá-la em sua humanidade e individualidade, sabendo claro, que a criança é um ser em construção e que precisa sim do nosso direcionamento gentil, precisa sim compreender como se vive em sociedade de maneira harmônica, precisa sim entender que há limites que precisamos respeitar para respeitar o próximo e a nós mesmos.
Educar com Respeito é uma via do meio entre a Punição e a Permissividade. Como eu sempre digo, nós adultos somos como as margens que margeiam a correnteza solta do rio que é a criança. As margens não são rígidas a ponto de represar a força espontânea do rio. E tampouco são tão frouxas a ponto de não direcionar o rio em seu caminho, a ponto de transformá-lo em lago inerte. As margens margeiam, as margens guiam, as margens respeitam, as margens entendem a força do rio, elas direcionam junto com o rio. Elas não determinam o caminho sozinhas, elas estão a todo momento fluindo e se modificando com a força viva do rio.
Consideração #2 : como se constrói autoridade
Precisamos também superar a ideia determinista que nos diz diariamente “Se você não cortar as asinhas dessa criança agora ela vai te dominar, ela vai mandar na casa…” Precisamos superar de vez a noção equivocada de respeito e autoridade que nos diz diariamente “Quem manda na casa é você adulto, se você não impor respeito agora com sua força, essa criança vai te desrespeitar pelo resto da sua vida…” Precisamos superar urgentemente a ideia enraizada em nossa sociedade que nos diz “Se você der voz para as vontades da criança agora, ela não vai ter limites, nunca vai te obedecer e sempre vai fazer o que bem entender…”
Em primeiro lugar não é assim que a complexa estrutura emocional e psíquica do ser humano funciona, nada é tão determinista. A criança vive uma infinidade de experiências e não é essa ou aquela que vai determinar exatamente como ela vai se tornar daqui a 15 ou 20 anos. Acredito mais que é o somatório da construção de experiências que ela vive que vai moldando seu caráter.
Em segundo lugar, colocar limites não é impor pela força, não é cortar as asinhas, não é limitar a voz e os desejos da criança. Será que se nós a todo momento, em nome da boa educação, colocarmos limites desse modo, impondo nossa vontade, cortando as asinhas, inibindo os desejos da criança, será que ela vai saber se respeitar, será que ela vai entender que ela sim tem voz, será que no futuro ela vai interiorizar o ser único, independente e confiante em suas próprias respostas que ela é?
Colocar limites é conduzir com gentileza!
Ter clareza do que é aceitável ou não para nós mesmos, sim, precisamos nos colocar. Sabendo claro que é possível ser gentil e flexibilizar quando estiver tudo bem para ambos os lados. Colocar limites é também ajudar a criança a construir a mesma referência que eu tenho hoje de respeito e consideração aos meus desejos e aos do próximo, sempre dialogando, construindo em conjunto. Afinal de contas, adulto e criança, ambos somos seres humanos dignos de respeito, consideração, voz…a diferença mais gritante é que eu como adulto tenho condições de ensinar à criança tudo isso e que ela como criança, ainda não está madura o suficiente para entender como se vive em sociedade de maneira respeitosa.
Então colocar limites não é impor, mas sim entender a nossa natureza humana e respeitá-la! Se algo não é respeitoso comigo que sou adulto, eu vou falar do meu limite, do mesmo modo que se algo não for respeitoso com a criança, eu preciso também ajudá-la a falar do seu próprio limite me colocando no lugar dela com empatia.
Na Disciplina Positiva temos algumas ferramentas e estratégias que nos ajudam a trabalhar limites com a criança. Mas como eu sempre digo, as ferramentas são como um guia, o mais importante é entender a filosofia por trás de uma Educação com Respeito (que é o que fizemos até aqui nesse e-mail).
Um exemplo é: REDIRECIONAR E ENSINAR O QUE FAZER
Ao invés de ficarmos presos no erro e falar para a criança sempre o que ela não deve ou não pode fazer, nós podemos REDIRECIONAR o comportamento dizendo o que ela PODE FAZER. Então ao invés de dizer “Não jogue bola aqui dentro de casa, já te falei mais de mil vezes…” você pode dizer, “Filha você pode jogar bola lá fora no quintal ou você pode brincar aqui dentro com o quebra cabeças, qual você prefere?” Depois de ensinar, relembre a criança perguntando: “Onde é permitido jogar bola, vamos ver se a gente lembra, você consegue me dizer?” Tire o foco do erro, do que ela não pode fazer e dê opções. Às vezes ficamos tão presos dizendo aquilo que a criança NÃO PODE FAZER que a criança fica sem saber o que ele PODE FAZER.
Outro exemplo é: FAÇA ACORDOS
Num momento de calma, converse com seus filhos sobre como cada um se sente diante de um desafio. Elaborem soluções em conjunto em que todos estejam de acordo. Cheguem a um consenso sobre como e quando conduzir aquele acordo, e se por acaso o combinado não for seguido, evite críticas e julgamentos, tente sempre perguntar “Qual foi o nosso combinado? O que a gente decidiu juntos sobre isso?” Claro, não vai funcionar da noite para o dia, mas o mais importante, sinceramente, nem é se a criança vai cumprir com o combinado sempre, é o que ela está aprendendo para o resto de sua vida: ela tem voz, ela é respeitada, ela pode decidir as coisas junto com seus pais, assim é viver em sociedade!
Eu sei que nem sempre conseguimos agir assim, ponderar e conduzir tudo de forma gentil. Mas acredito que é muito importante tentar, sem a pretensão de perfeição. Mas sim, é preciso tentar, por nós mesmos e por nossas crianças.
O que você achou dessa reflexão?
Com amor, Mari.