Se toda manifestação de incômodo ou desejo profundo é taxada de birra, pirraça, e se a birra é vista como algo ruim, então a criança aprende que não pode ter raiva, sentir frustração ou desejar as coisas. Vamos conversar um pouquinho sobre essa frase?
Eu percebi e sinto que todas as manifestações da criança que envolvem sentimentos tidos como negativos, como frustração, raiva, contrariedade e tristeza, normalmente, nos causam incômodo, nos tiram do nosso eixo e ficamos até sem saber como agir.
Dessa maneira, ficamos buscando uma solução definitiva para que a criança nunca mais tenha reações nesse sentido. Aí eu me pergunto: podemos ter esse tipo de expectativa?
Como os adultos manifestam os sentimentos e o que isso tem a ver com a birra
Se olharmos para nós, adultos, perceberemos que também manifestamos nossos incômodos de várias maneiras. Depois que viramos adultos, não podemos dizer que viramos “zen”; também sentimos raiva, medo e outros incômodos, certo?
Continuamos sentindo e reagindo de maneiras negativas. Muitas vezes, gritamos, batemos, xingamos, usamos palavras inadequadas… No trânsito, por exemplo, buzinamos e gritamos com as outras pessoas. Alguns adultos também colocam esses sentimentos para fora na compulsão por comida, bebidas alcoólicas ou mesmo bens materiais.
Todos nós temos tipos de reações de frustração e raiva, assim como a criança. Porque será que é tão difícil para a gente aceitar as manifestações das crianças? Por que acolhemos as nossas, levantamos a cabeça e seguimos em frente, mas procuramos uma solução para as reações das crianças, pensando “como faço para isso nunca mais acontecer?”.
Afinal, por que essas reações da criança incomodam tanto? Por que mexe tanto com a gente? Por que ficamos tão aflitos, sem saber o que fazer? Já percebeu que, por vezes, temos medo desse tipo de reação?
É preciso colocar os sentimentos para fora
É como se passasse um filme do futuro nos dizendo que, se a criança está reagindo assim agora, ela será um adulto incapaz de lidar com as próprias emoções, não é mesmo? Esse medo, tão presente na nossa mente nos atrapalha a lidar com essas reações.
Não estou dizendo que vamos deixar a criança simplesmente reagir, fazer o que quiser, principalmente se tiver se machucando ou machucando outras pessoas com esse tipo de reação, mas vamos lidar com gentileza e firmeza ao mesmo tempo, lembrando que todos esses sentimentos são humanos e naturais.
O que ela precisa aprender não é guardar os sentimentos, e, sim, como colocar isso para fora de forma respeitosa consigo mesma e com o outro. Isso também não vai acontecer da noite para o dia, pois a criança precisa de tempo para absorver novas estratégias.
Então está tudo bem você sentir raiva ou frustração, só não pode se machucar e machucar o outro; vamos encontrar outras maneiras. Se a criança é muito pequena e não sabe encontrar essas outras maneiras, ainda somos nós os responsáveis por identificar as alternativas.
Muito além da birra: como aprender a lidar com os sentimentos
Não é eliminando essas manifestações que encontraremos a resposta, mas lidando com elas, testando diariamente. Um dia, ofereça uma almofada para a criança apertar ao invés de bater. No outro, dê um brinquedo de bolinha de sabão para ela gastar essa energia ao invés de morder alguém…
São experiências. Precisamos testar e sentir o que funcionará para cada criança, porque não existe uma resposta específica para todas. Elas vão continuar tendo sentimentos complexos, assim como nós, até hoje.
A grande questão é que precisaremos trabalhar a nossa empatia, nosso acolhimento, nosso medo do futuro para ter paciência e criatividade na busca de sugestões no momento em que essas coisas acontecerem .
Isso vai ser possível sempre? Não. Haverá dias em que não estaremos pacientes e criativos, mas o mais importante não é sermos perfeitos, mas estarmos abertos a novas possibilidades. E aqui, nesse contexto, as novas possibilidades são:
- Entender que esses sentimentos são naturais;
- A criança — assim como o adulto — precisa manifestar esses sentimentos, e estar aberta a soluções personalizadas para ela;
- Quando você pensa que existe um “manual” ou único jeito certo de fazer, quando não funciona, passará a achar que o problema está com você ou com o seu filho, então por isso a gente não pode trabalhar com manuais.
Vamos juntos em busca do autoconhecimento?
Com amor, Mari.