Em primeiro lugar, eu queria te dizer o que é a birra. Você sabe o que é a birra? A birra é um processo natural da infância, que acontece quase sempre quando a criança deseja ou sente algo e não consegue se expressar de forma verbal ou racional. Geralmente surge quando a criança está frustrada com alguma coisa, por exemplo: “chegou a hora de ir embora, vamos dar tchau pro coleguinha e entrar no carro?”.
Pronto, aí o estopim. E aí a birra vem com tudo! Pode ser choro, grito, desespero, agressividade, deitar no chão, dependurar-de… a birra se manifesta de muitas maneiras. E, mesmo que você fale com gentileza, ela pode acontecer. A criança se manifesta e se comunica com todo seu corpo e coração: ela se agiganta, e não tem como não notá-la na birra!
A birra faz parte da infância (e da fase adulta também)
Deixa eu te contar um segredo: a criança age com seu cérebro primitivo na hora da birra, e todos nós fazemos isso em algum momento de nossas vidas, como, por exemplo, quando somos frustrados. Mas o que acontece é que o adulto já é maduro o suficiente para saber que está frustrado, com raiva, cansado etc.
O adulto sabe nomear seus sentimentos e, numa situação de estresse e contrariedade, consegue ponderar, raciocinar, sair do automático, deixar o cérebro primitivo para trás e agir com maturidade — e nem sempre conseguimos não é mesmo?.
A criança ainda não consegue fazer isso, pois age de maneira “corporal”. Ela acabou de chegar nesse mundo e não entende o que é frustração. Se nós não a nomeamos e a apresentamos, a criança não entende o que é a raiva, por exemplo.
Acabar com a birra a qualquer custo pode ser prejudicial
Se chamamos tudo de birra, pirraça, “manha” ou má criação, é muito possível que essa criança tenha dificuldades de lidar com a própria raiva quando for crescendo e não saber direito como expressá-la, chegando, até mesmo, a reprimi-la. Se tudo é birra, e se a birra é algo ruim, algo que deve ser sanado, a criança automaticamente aprende que não pode sentir raiva, frustração e desejos.
Pare e pense: você acredita que as crianças não devem desejar as coisas? Ou que não devem sentir raiva ou frustração? Tudo isso se manifesta na birra, e nós insistimos em acabar com ela, acreditar que não tem lugar na infância e que não existe nada por trás desse comportamento.
Para nós, adultos maduros, é muito difícil lidar com a birra (e eu me incluo nessa frase). Quem dera existisse um passo a passo, uma receita pronta, um manual de sobrevivência para acabar de vez com a birra da criança sem prejudicá-la em seu processo de maturação cerebral. Seria o sonho de toda mãe e todo pai, não é mesmo?
O aprendizado que pode ser retirado da birra para a criança e para os adultos
Só que não existe esse manual, e as crianças vão continuar sendo crianças, passando pelo processo de birra uma hora ou outra. É assim que elas aprendem. É natural! Se nós acabamos com a birra da criança, tiramos dela algo natural e muito importante para ela — também tiramos de nós mesmos as grandes oportunidades de ensiná-las a lidarem com seus sentimentos.
Se eu corto a birra com um grito “nós vamos pra casa agora pronto e acabou, eu sou sua mãe e você precisa me obedecer”, a criança não vai ter a oportunidade de trabalhar, aos poucos, o que está se passando dentro da sua cabecinha, e nós vamos perder a oportunidade de ensinar o que é a frustração, de nos conectarmos com ela pela empatia e de mostrarmos que somos tão humanos como ela.
Se eliminamos a birra, os desafios, o “mau comportamento”, perdemos nossos filhos. Se a nossa postura é a de determinar o que eles precisam fazer e sentir, criamos uma distância enorme entre nós. De qualquer forma, não existe a mínima possibilidade de eliminar esses desafios por completo: essa é uma promessa que vai contra a natureza da infância.
Como lidar com a birra, afinal?
O que eu acredito é algo diferente! O que as abordagens respeitosas com a criança propõem, ao invés de eliminar os desafios, é uma mudança de olhar e de atitude. Que possamos sair do lugar autoritário e exercer nossa autoridade natural com leveza, sabendo que os desafios fazem parte da maternidade e da paternidade e são eles que moldam o caráter, a saúde emocional, o repertório intelectual desse futuro adulto que estamos educando.
A proposta de educação sem punição e sem permissividade cria conexão verdadeira entre você e sua criança, porque vocês se tratam como dois seres humanos equivalentes, que merecem ser respeitados e ouvidos e que estão em momentos de maturidade emocional bem distintos.
Como recompensa, os desafios se tornam mais leves, porque a criança vai percebendo que tem voz, que vai ser ouvida, que seus pais a estão ajudando a amadurecer — e, acredite, funciona! A criança sente-se segura o suficiente e conectada com você e, assim, o ambiente fica mais leve. Mas, não nos enganemos, os desafios vão continuar e nós já sabemos disso.
Faz sentido para você? Com amor, Mari.