CHANTAGEM COM A CRIANÇA: A ESTRATÉGIA DA CONSEQUÊNCIA FUNCIONA?

menina olhando

A gente aprendeu e vem praticando, durante muitos anos, a ideia de colocar uma consequência em tudo que a criança faz: “se você não juntar todos os brinquedos, não vai ao parquinho”. O juntar todos os brinquedos não tem nada a ver com sair para o parquinho, mas a gente cria essa consequência a partir da nossa necessidade de fazer com que a criança atenda ao nosso pedido.

Com isso, nós, adultos, começamos a inventar determinadas consequências que não dizem, realmente, sobre o ato da criança. E essa é a grande questão das consequências, que são impostas e criadas pela nossa mente: elas não estabelecem relações e, na maioria das vezes, não estamos exatamente preocupados em ensinar para a criança, mas em fazê-la ter medo de perder algum privilégio em detrimento de uma desobediência.

O que está por trás desse condicionamento e a consequência natural

Quando usamos essa estratégia, nossas intenções são as melhores, como que ela aprenda que não pode fazer o que quiser e que precisa ser responsável por suas coisas. Porém, nos perdemos nessas intenções e criamos consequências de acordo com o que realmente nos favorece.

Então, se naquele momento me favorece tirar o parquinho, eu uso o parquinho como consequência. Se num outro momento me favorece tirar a TV, eu uso tirar a TV como consequência, percebe? A realidade sincera e honesta do aprendizado em si desaparece, porque por trás de tudo existe o nosso desejo de controlar e fazê-la atender às nossas expectativas.

Por outro lado, as consequências naturais são muito bem vistas pela disciplina positiva. O que são as consequências naturais? Eu gosto de dar um exemplo simples, mas esclarecedor. Imagine que hoje é um dia de chuva e eu saio sem levar um guarda-chuva. Começo a me molhar e, naturalmente, penso: “poxa vida, deveria ter trazido um guarda-chuva”.

Esse é um aprendizado da minha escolha de ter saído sem guarda-chuva. Sempre brinco que não teve ninguém que foi lá para São Pedro e falou assim: “olha, São Pedro, faz chover aí para essa menina aprender a não sair sem guarda-chuva”.

Dessa, maneira, podemos chamar esse aprendizado de “natural”, uma consequência de uma escolha feita por mim. Com isso, raciocinei e tomei um aprendizado dessa situação. Amanhã, talvez, quando eu for sair, não cometerei o mesmo erro.

Dê uma chance para essa ferramenta da disciplina positiva

Quando começamos a entender essa possibilidade das consequências naturais, ficamos com medo disso não ser suficiente para a criança aprender. Temos medo de que as consequências naturais não sejam suficientes para ela atender aos nossos pedidos, e não damos um voto de confiança nessa ferramenta maravilhosa.

Agora eu quero te dar um exemplo de uma criança que passou por essa experiência. Ela não queria fazer e se envolver no seu dever de casa e, depois de tantas brigas, conflitos, tentativas punitivas, a mãe optou então por uma consequência natural de “não fazer o dever de casa”. A mãe não sabia exatamente qual seria essa consequência, mas ela sabia que naturalmente existiria alguma não  imposta por ela, mas das próprias circunstâncias da situação.

Um caso na prática da consequência positiva

Isso é trabalhar consequências naturais. Essa criança foi para a escola e, quando chegou, passou por essa experiência de não ter o dever de casa feito. Ao chegar em casa, falou para a mãe: “mamãe, eu não quero mais ir para a escola sem fazer o dever de casa”. A mãe perguntou o motivo, e ela respondeu: “porque não consigo participar, dar minha opinião nem responder, e me senti estranha e isolada da turma.

Veja o aprendizado que essa criança sozinha tirou dessa situação de uma forma muito natural! A família poderia continuar insistindo em criar várias consequências para ela poder fazer o dever de casa, aprender que é importante, mas  nada foi tão suficiente quanto o próprio aprendizado dela, quanto a própria sensação que vivenciou naturalmente ao deixar de fazer o dever de casa. As consequências naturais são muito potentes porque são verdadeiras e não sofrem uma interferência do nosso ego.

Claro que, em algumas situações — principalmente em situações de risco, situações de saúde, etc. — talvez não seja possível usar essa ferramenta, porque a consequência natural poderia trazer um prejuízo grande. Então, como todas as outras ferramentas, teremos que avaliar se ela se encaixa na situação ou não. Mas é uma reflexão extremamente importante e que devemos dar um voto de confiança, assim como essa mãe fez.

As crianças têm capacidade de aprender através dos atos e das consequências que acontecem naturalmente. Precisamos confiar nisso e experimentar , desde que seja seguro. Bom, fica essa reflexão para você, e espero que tenham gostado.

Me conta aqui o que você achou…

Com amor, Mari.

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6 respostas

  1. Mari, como sempre são muito importantes seus textos. Obrigada por compartilhar conosco seus conhecimentos. Porém, tenho uma filha de 2 anos e 8meses. E confessou que uso esta estratégia da “chantagem” a todo o momento. Porém nesta idade os conflitos são para comer sentado ou na hora certa, ou ajudar a arrumar os brinquedos ou vestir a roupa adequada para determinada ocasião. Que não vejo que geram consequências naturais que a façam refletir. Portanto, qual seria a melhor forma de agir?

  2. Fico pensando, e como agir com uma criança que não quer tomar banho, por exemplo. Deixar ela sentir que é ruim a sensação de ficar suja pra aprender que é importante o banho? Acho que nem sempre funciona. Tem coisas que tento conscientizar e deu super certo. Toda vez que não quer escovar os dentes eu lembro das fotos que mostrei pra ela de crianças com dentinho Preto e cheio de cáries. E aí pergunto se ela vai querer deixar a cárie comer o dente dela pq tá cheio de comidinhas nele e na hora ela decide que quer escovar. Isso é pra uma criança de 2 anos e meio. O banho Mtas vezes tem sido no tom ainda de chantagem ou ameaça do chinelo e sei que não precisa ser assim. Mas Ainda não tive uma luz de como agir diferente e ensinar que ela precisa e é importante.

  3. Aqui em casa, como existe uma rotina de eventos mais ou menos constantes w previsíveis, eu consigo usar as consequências mesmo que pareçam não ter nada a ver com a desobediência. Por ex. Se minha filha não quer tomar banho e fica protelando obedecer, eu digo a ela: Provavelmente não conseguiremos jogar domino hoje, porque o tempo que teríamos para isso, você está usando com a sua demora. Ou vc toma banho agora, ou perderá o tempo para o jogo. Sem ameaças, sem briga, apenas mostrando que um evento só acontece depois que o anterior termina e se não este não termina ou não é feito por escolha dela, existe a perda automática do proximo.

  4. Nossa cometemos muitos erros com a educação de nossos filhos, fazemos sem pensar e analisar as consequências, obrigada Mariana por abrir meus olhos.

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Mariana Lacerda

Mariana Lacerda é TERAPEUTA OCUPACIONAL, MESTRE em Ciências da Reabilitação e DOUTORANDA em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFMG e EDUCADORA PARENTAL em Disciplina Positiva certificada pela Positive Discipline Association.

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